
Próximo a Berlin está a cidade de Wittenberg. Caminhando pela rua principal da pacata e encantadora cidade demanda enorme exercício de imaginação pensar que houve época quando a cidade fervilhava de excitação e transbordava emoções. Foi numa porta lateral da igreja da faculdade desta cidade que, em outubro de 1517, o frade agostiniano Martino Lutero publicou suas 95 proposições, conhecidas como teses, questionando artigos fundamentais referentes à doutrina, à liturgia e à moral da Igreja Católica!
Vivia, na época, a Igreja Católica uma profunda crise de identidade. A liturgia, em latim, não atraia ninguém. As igrejas ficavam às moscas. O clero mais se preocupava em garantir privilégios que cuidar do povo de Deus. Para complicar de vez a já triste situação religiosa, o Vaticano lançou uma campanha de venda de indulgências com o objetivo de conseguir dinheiro e completar a construção da Basílica de S. Pedro. Corria-se solta a convicção que muitos sacerdotes embolsavam o dinheiro! Urgente se fazia a necessidade de uma radical reforma interna na Igreja! Estudioso professor de teologia, Lutero questionava os costumes religiosos da época, tão distantes dos ideais evangélicos. O próprio texto bíblico era desconhecido pela grande massa de fiéis, uma vez que havia somente versões em latim! A medida que aprofundava suas reflexões, o devoto e escrupuloso monge se convencia que a salvação somente era possível pela fé em Jesus Cristo. Estimulado por poderosas famílias saxônicas, saturadas em pagar volumosos impostos ao Vaticano, Lutero rompe definitivamente com a Igreja, dando início à chamada Reforma Protestante! A rápida adesão de membros do clero - o próprio convento onde Lutero morava transformou-se em uma espécie de quartel-geral da Reforma - atesta o difuso descontentamento com a Igreja e seus hábitos. A modesta cidade de Wittenberg passa a ser o centro referencial da Reforma, atraindo gente de várias localidades, ansiosa para ouvir as pregações do monge rebelde e livrar-se do domínio papal.
A catedral de Santa Maria passa por uma profunda reforma arquitetônica, adequando-se à nova teologia e a reformada liturgia. A Bíblia toma o lugar do Sacrário. O altar mor passa a exibir quadros dos três sacramentos aceitos como genuinamente bíblicos pela Reforma, isto é, o batismo, a ceia e a confissão. As imagens de santos são substituídas pelas de Lutero, de Melancton, frade colega de Lutero, e de outros personagens proeminentes no processo reformatório. O mesmo padrão é seguido por outras construções protestantes na Alemanha. Detalhe interessante e intrigante é a manutenção de imagens de Maria, mãe de Jesus! Nas principais igrejas protestantes alemãs, inclusive em Wittenberg, a imagem de Maria goza de especial destaque. Lutero nunca negou sua filial devoção a nossa Senhora.
Visitar Wittenberg ajuda sobremaneira a mergulhar no dramático e denso clima que marcava o início da Reforma Protestante. Emerge, inclusive, a convicção que, com um pouco mais de humildade e discernimento, o doloroso cisma podia ter sido evitado. Muitos são os pontos convergentes a possibilitar a reaproximação entre as Confissões, a sepultar feridas, a apresentar, enfim, a Igreja de Jesus Cristo como aquela rede que, mesmo transbordando de diversas raças de peixes, mantém-se inteira e indivisa.
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